Damynhão Experyènça

Mp3:

1 Linha
2 Pato
3 Cachorro
4 Fome
5 Bar
6 Luz
7 Gás
8 Água
Ruídos rippados por RHATTO
Agradecimentos a sORUMA pela reprodução do disco.

Links:

Daminhão Experyénça per Freek Xou
Daminhão Está Vivo
Show no Ballroom - RJ
Daminhão no Ronca Ronca
Viagem ao Planeta Lamma
Portão do Daminhão

Exclusivo: Damynhão Experiença é encontrado em Ipanema e revela o luxo de seu apartamento
Equipe da Funilaria do Som viajou especialmente ao Rio de Janeiro para contatar o cafetão

Como todo fiel que precisa ir a Meca ao menos uma vez na vida, após uma breve incursão pela Vila Mimosa, lar das mulheres das enxurradas, a equipe dirigiu-se à feira de artesanato de Ipanema, onde contatos nos indicaram que o Mestre poderia ser encontrado próximo ao Mercado Zona Sul. Era um dia chuvoso e a Equipe permaneceu de tocaia por horas a fio sobre um ponto de ônibus quando um figura ensopado, de cavanhaque estilo escovão, capacete de soldado e um cabo de telefone ao redor do pescoço escorreu pela calçada e ameaçou entrar num coletivo. Não, não era Damião Ferreira da Cruz, era o Terrorista. Perguntamos a ele se sabia sobre o criador do Planeta Lamma, mas Terrorista apenas emitiu insultos, contou algumas moedas, disse "Qué Mé no Mé" (Quero tomar cachaça no Méier) e sumiu.

Uma senhora muito humilde, ouvindo nosso diálogo com o Terrorista, interveio e ofereceu-nos mostrar o boteco que Damião frequenta em troca de um trago. Aceitamos a proposta e caminhamos até o bar mais refinado da zona sul, com um cardápio diversificado de orelha de porco, linguiça à vinagrete, costelinha, "frango" na farinha, croquete e ovo colorido.

Qual foi nossa estupefação quando vimos debruçado no balcão a silhueta daquele que lançou 34 LPs com o dinheiro do própio bolso? "Daminhão! E aí Damminhão?? Viemos de São Paulo só pra te conhecer". "Eu não sou Daminhão. Damynhão morreu. Eu sou só um fã dele". Não era o que seu rosto estampava. Tudo bem, melhor fazer o jogo dele, deve ser uma espécie de prova: "A gente não se importa, se você é fã dele já tá valendo. Sabia que ele é muito famoso de onde a gente vem? Tem muita gente querendo conhecê-lo...". Pronto. Lágrimas. Ele se entrega e mostra-nos o exemplar da revista Geek, onde figura numa página inteira.

Daminhão contou-nos um pouco sobre sua viagem até Cuba e o tempo em que passou em Trindad & Tobago, onde tinha uma banda. Sobre Cuba, afirmou que antes de viajar pra lá achava que era melhor, mas hoje diz que é a mesma merda que aqui. Desacreditado com o governo Lula, disse preferir a política de George W. Bush, o qual, segundo ele, é como Hitler. Assustados, perguntamos se era verdade que ele era nazista. E ele diz: "Eu não sou nada. Isso são só palavras".

Essa identificação de Daminhão por Hitler não é pelo nazismo, mas muito provavelmente por ambos terem passado por situações em comum. Sabe-se que Hitler chegou próximo da mendincância e que foi michê logo que chegou à sua metrópole local. Daminhão também emigrou para um centro urbano e logo se viu em apuros na zona do baixo meretrício, como está relatado em seu livro.

Em seu auto-ostracismo, Damminhão parece amargurado, uma amargura que se mistura à revolta. Recentemente passou por sérios problemas de saúde, e após voltar de sua última viagem a Trindad & Tobago encontrou seu estúdio, localizado na lavanderia do apartamento, completamente destruído por um vazamento no banheiro do vizinho do andar de cima. No desastre, muito material inédito foi destruído. Sua recente doença e a perda de novas gravações constituiu uma morte em vida para o artista. Sobre essa situação, Daminhão disse: "Estou fudido". Disse que estava broxa mas que ainda gostava de lamber.

Conversa vai, conversa vem, saímos do boteco e fomos até a porta do Mercado Zona Sul, onde Daminhão passa a maior parte do tempo olhando as pessoas, lendo panfletos sobre eletrodomésticos e onde cantou algumas de suas composições. Inesperadamente, convida-nos para ir até seu apartamento. Disse-nos que lá só havia lixo. "Tudo bem, Dammião, a gente já tá acostumado com lixo". Não, não estávamos, e a experyénça novamente foi única.

A poucos quarteirões de seu ponto de encosto diário, seu apartamento não pertence a este mundo. Quem já esteve lá sabe do que estou falando. Pra quem jamais foi, isto aqui são só palavras. Pra começar, não faz sentido nenhum medir o tamanho do lugar em metros quadrados. Em metros cúbicos talvez, porém estou mais inclinado a usar dimensão fractal, dada a distribuição de matéria que existe ali dentro. Lá, a noção de chão não existe e a idéia de um teto está mais próxima de nossa cabeça do que em qualquer outro lugar.

Daminhão nos faz entrar com muita pressa pela porta de serviço, que fica ao lado da porta social, e não esconde o fato de não querer mostrar a seus vizinhos o que lá se encontra. Após entrar compreendemos porque não usamos a porta social, totalmente obstruída pelo acúmulo sistemático de lixo seco e por dois grandes televisores de tela plana. Entrar naquele apartamento é entrar na cabeça do Daminhão. Imagine uma pessoa que por mais de 30 anos junte tralha e a disponha segundo seu próprio padrão mental, que como sabemos é daminhõnico quando visto no espaço de fases. Sua casa é sua cabeça, uma rede de túneis cujas paredes e chão são feitas de tudo quanto é objeto. O caminho é muito semelhante a buracos de minhoca. As camadas de coisas são tantas que o explorador, semi-ereto, fica a poucos centímetros do teto. A estrutura desses canais foi construída com pallets de madeira, semelhantes àqueles que formam as bases das gôndolas de supermercados. Entre o madeirame é possível encontrar um mega acervo de discos de vinil e objetos menores. O observador mais atento notará que existem facas de cozinha uniformemente espaçadas em todos os cômodos, embaixo dos colchões ou entre os madeirites. Um verdadeiro cafofo sem janelas.

Disse-nos que aquela não era sua casa, era só depósito. Sua casa ficaria na Tijuca. Não acreditamos, tudo dava a entender que lá era onde ele vivia. Até onde vimos, Daminhão tem inúmeros televisores, aparelhos de som e um DVD, com o qual assistimos cenas do Woodstock equanto conversávamos sobre os fatos da vida. Não sabemos se ficamos por lá durante alguns minutos ou três horas. Quando saímos, era quase noite. Não conversávamos. Vez por outra, algum de nós exclamava: "Putaquepariu, o que foi aquilo???".

Como alguém pode criar um ambiente daquela forma? Como será que esse alguém consegue dormir naqueles túneis, todo espremido? A resposta óbvia: apenas se esse alguém for Daminhão Experyénça.

Contatos (lammês / português / inglês / cubano / russo): funilaria(@)esgoto.org